Essas aves precisam ser mais pesquisadas:
Confira a entrevista com os ornitólogos pelo Conselho Regional de Biologia do RS: Glayson, técnico da FZB e mestre em Zoologia na Universidade Estadual Paulista (Unesp) e Carla, a curadora da coleção de aves do MCT/PUCRS, mestre e doutora em Zoologia pela PUCRS e pós-doutora em Zoologia pela Universidade de Brasília.
Ascom CRBio 3 - Qual a importância de se estudar as aves migratórias?Glayson Bencke - As aves migratórias muitas vezes transcendem fronteiras políticas em suas migrações e, assim, são bens naturais internacionais. Sua conservação é responsabilidade de todos os países atravessados por suas rotas migratórias. Assim, são protegidas por acordos e tratados internacionais.
As aves migratórias já receberam mais atenção de pesquisa no passado, quando o Cemave (órgão do ICMBio responsável pela coordenação do anilhamento no país) era mais atuante e contava com mais pesquisadores.
Ascom CRBio 3 - Então elas servem de bioindicadores de qualidade ambiental?
Carla Fontana - Assim como o estudo das demais aves, o das aves migratórias permite de uma forma geral o conhecimento da biodiversidade de um local. As aves são muito interessantes do ponto de vista acadêmico, pois estão amplamente distribuídas em todos o ambientes da terra, menos o abissal, por serem coloridas, por cantarem, por serem de observação relativamente fácil, por servirem de alimento (como as aves domesticadas). Além de conhecimento acadêmico puro, os estudos de aves em geral fornecem interessantes respostas a problemas relacionados ao meio ambiente, sendo a presença de aves migratórias e não migratórias consideradas indicadoras de qualidade ambiental. Quanto mais espécies de aves, melhor será o ambiente, pois as aves estão onde existe vegetação (para abrigo, comida, ninhos), rios limpos, pouca poluição do ar. Enfim fatores ambientais que também favorecem a qualidade de vida e a saúde humana.
Glayson - Estudar aves migratórias é tão importante quanto estudar as demais espécies de aves ou outros grupos de animais e plantas. Permite que conheçamos melhor esses organismos e o modo como se relacionam com o seu ambiente e com os seres humanos. Mas o ciclo anual das aves migratórias envolve uma característica muito peculiar, que faz com que o seu estudo seja um desafio para os pesquisadores, mesmo quando se utiliza a tecnologia mais avançada. Elas se deslocam anualmente por longas distâncias, muitas vezes à noite e atravessando o oceano ou regiões remotas, viajando entre as suas regiões de reprodução e as regiões onde passam o período não-reprodutivo. É muito difícil acompanhar esses deslocamentos para descobrir por onde as aves migram, sendo necessário recorrer a técnicas como o anilhamento, a radiotelemetria e o monitoramento por satélite. Por causa da migração, essas aves dependem tanto dos hábitats existentes nos extremos de suas rotas de migração quanto de hábitats situados ao longo dessas rotas, os chamados paradouros migratórios. A migração precisa ser sincronizada com outras fases do ciclo anual das aves, como a muda de penas, e também com a disponibilidade de alimento e hábitats adequados nos pontos de parada e nas áreas de origem e destino. Assim, a vida dessas aves envolve muito mais riscos do que a das aves residentes. As aves migratórias também podem servir como indicadoras da saúde do ambiente. No início da década houve uma mortandade muito grande de gaviões-papa-gafanhotos na Argentina, que se reproduzem na América do Norte e migram para diversas regiões da América do Sul durante o inverno do hemisfério norte. As aves estavam morrendo por causa de um pesticida organofosforado que já estava proibido em outros países, mas que continuava sendo usado na Argentina, para o combate de gafanhotos. O caso é bem emblemático pois levou à proibição do uso do pesticida em um país do terceiro mundo, por causa do risco que estava representando a uma ave migratória originária de um país do primeiro mundo, onde o veneno é produzido ou patenteado. É muito difícil acompanhar esses deslocamentos para descobrir por onde as aves migram, sendo necessário recorrer a técnicas como o anilhamento, a radiotelemetria e o monitoramento por satélite. Por causa da migração, essas aves dependem tanto dos hábitats existentes nos extremos de suas rotas de migração quanto de hábitats situados ao longo dessas rotas, os chamados paradouros migratórios. A migração precisa ser sincronizada com outras fases do ciclo anual das aves, como a muda de penas, e também com a disponibilidade de alimento e hábitats adequados nos pontos de parada e nas áreas de origem e destino. Assim, a vida dessas aves envolve muito mais riscos do que a das aves residentes.
Ascom CRBio 3 - Que espécies usam o Rio Grande do Sul como rota?Glayson - O RS, por causa da sua posição geográfica, tem uma grande diversidade de aves migratórias. Praticamente uma em cada quatro espécies de aves que ocorrem no RS realiza algum tipo de deslocamento migratório, o que corresponde a aproximadamente 160 espécies. Cerca de meia dúzia de grandes sistemas migratórios, cada qual com uma ou mais rotas migratórias diferentes, unem ecologicamente as paisagens terrestres e a zona oceânica do RS a outras regiões do continente sul-americano, do Hemisfério Ocidental, do Velho Mundo e até ao Ártico e à Antártica (no caso de aves marinhas). Recebemos regularmente visitantes do Alasca, do Canadá, dos Estados Unidos e até das Ilhas Britânicas. Em menor quantidade vêm aves do extremo sul da América do Sul: Terra do Fogo, estepe patagônia e ilhas Malvinas. Há também aves aquáticas que se deslocam entre as planícies do baixo rio Paraná, na Argentina, ou o Pantanal matogrossense, e o litoral do RS, como o marrecão e o cabeça-seca (um tipo de cegonha). Por outro lado, muitas aves que se reproduzem aqui abandonam o Estado no período de outono e inverno, dirigindo-se para o centro e o norte do continente, como algumas andorinhas e a tesourinha. Há também algumas aves que só atravessam o RS em suas migrações. As aves que realizam os deslocamentos mais extraordinários são os maçaricos de praia e batuíras, e os trinta-réis (andorinhas-do-mar), comuns no litoral do RS, especialmente na Lagoa do Peixe.
Ascom CRBio 3 - Como esses animais influenciam em questões de saúde pública?Glayson - Recentemente tivemos um surto de uma forma extremamente patogênica do vírus da gripe aviária (H5N1) na Ásia, que acabou chegando a outros continentes do Velho Mundo. As aves migratórias foram consideradas as principais suspeitas do transporte do vírus a longas distâncias. Assim, muito esforço foi feito para monitorar as aves e a disseminação do vírus, inclusive no Brasil. Também há outras doenças emergentes que podem ser rapidamente disseminadas por aves migratórias, como a Febre do Nilo. Ainda que nem sempre as aves sejam as principais responsáveis pela disseminação de algumas dessas doenças, a possibilidade existe e ela deve ser avaliada. Aqui no Estado, recentemente participei da construção de um modelo de avaliação de risco de introdução da gripe aviária no Estado, em um projeto coordenado pela Faculdade de Veterinária da UFRGS. Nessa ocasião, o conhecimento refinado sobre as rotas, hábitats e períodos de ocorrência das espécies migratórias no RS mostrou-se essencial para que se pudesse construir um modelo realista e confiável. Avaliações de risco desse tipo são importantes devido aos potenciais prejuízos que a introdução de um vírus como o H5N1 esse pode causar à avicultura no Estado e no Brasil, afetando inclusive as exportações. E também pelo risco de pandemias mundiais, em razão da possibilidade de mutação do vírus.
Ascom CRBio 3 - Que pesquisas são realizadas com aves migratórias no RS?
Carla - O Grupo de pesquisas de Ornitologia do MCT/PUCRS vem trabalhando com a Biologia reprodutiva de espécies migratórias campestres do Sul do Bioma Mata Atlântica. O projeto visa ampliar o conhecimento sobre a Biologia básica de cinco espécies de aves regionalmente ameaçadas de extinção dos Campos de Cima da Serra. Destas, quatro são espécies migratórias que nidificam em áreas de campo nativo conservado durante a primavera e o verão e passam o inverno em áreas mais quentes do país. As espécies estudadas são granívoras e insetívoras de tamanho diminuto (6 a 12 g de massa corporal), como a patativa (Sporophila plumbea), o caboclinho-de-barriga-preta (Sporophila melanogaster), o caboclinho-de-barriga-vermelha (Sporophila hypoxantha), o papa-moscas-do-campo (Culicivora caudacuta) e o papa-moscas-canela (Polystictus pectoralis). Essas espécies são tipicamente campestres, raras e com conhecimento científico ainda escasso. Assim como outras espécies de aves da região dos campos de cima da serra, suas populações vem sofrendo com ameaças antrópicas, como substituição de áreas de campo por monoculturas de pinos, soja, arroz, entre outras culturas e também com a implantação de usinas hidrelétricas e drenagens de banhados. Os caboclinhos e a patativa, adicionalmente, sofrem com o impacto da captura ilegal para o comércio de animais silvestres. Uma população de patativa (Sporophila plumbea), por exemplo, já desapareceu totalmente em locais onde era comum no século XIX e XX e a população gaúcha, não passa de uma centena de indivíduos sexualmente ativos. Com os dados gerados ao final do estudo pretende-se compreender melhor a Biologia, a Ecologia e a migração das espécies foco a fim de contribuir para a conservação através da produção de publicações científicas, de planos de ação e de indicação de áreas prioritárias para a conservação. O projeto está sendo coordenado por mim, do MCT/PUCRS, em parceria com a IGRÉ Associação Sócio Ambientalista, que tem a participação de alunos de graduação e pós-graduação da PUCRS e outros biólogos. O projeto conta com apoio financeiro das entidades Neotropical Grassland Conservancy e Fundação o Boticário de Proteção à Natureza.
Glayson - O Museu de Ciências Naturais, juntamente com a Universidade Católica de Pelotas, participa do programa de monitoramento de três espécies de maçaricos e batuíras migratórias que passam o período não-reprodutivo nos campos do Cone Sul. As espécies-alvo são o maçarico-acanelado e o batuiruçu, cujas principais áreas de concentração estão no litoral sul do RS, e o maçarico-do-campo, que ocorre principalmente na região da Campanha. Todas elas reproduzem-se na América do Norte, do Alasca às pradarias dos Estados Unidos. Essas aves são contadas simultaneamente em sítios de concentração localizados nos três países que compartilham o Pampa (Brasil, Argentina e Uruguai), para que eventuais flutuações populacionais possam ser detectadas, já que todas têm diminuído de população nas últimas décadas. O programa é parte da iniciativa Alianza del Pastizal para a conservação e o uso sustentável dos campos naturais do Cone Sul.
Ascom CRBio 3 - O deve fazer o estudante, o biólogo que quer trabalhar com aves migratórias?
Glayson - O Museu de Ciências Naturais, juntamente com a Universidade Católica de Pelotas, participa do programa de monitoramento de três espécies de maçaricos e batuíras migratórias que passam o período não-reprodutivo nos campos do Cone Sul. As espécies-alvo são o maçarico-acanelado e o batuiruçu, cujas principais áreas de concentração estão no litoral sul do RS, e o maçarico-do-campo, que ocorre principalmente na região da Campanha.
Todas elas reproduzem-se na América do Norte, do Alasca às pradarias dos Estados Unidos. Essas aves são contadas simultaneamente em sítios de concentração localizados nos três países que compartilham o Pampa (Brasil, Argentina e Uruguai), para que eventuais flutuações populacionais possam ser detectadas, já que todas têm diminuído de população nas últimas décadas. O programa é parte da iniciativa Alianza del Pastizal para a conservação e o uso sustentável dos campos naturais do Cone Sul.